Renato Dionísio
No último sábado, como costumeiramente faço, estive em compras na Feira da Cohab, espaço, aliás, que desde a sua criação, me remete a um nostálgico sentimento de pertencimento: muito jovem testemunhei a criação do embrião do que hoje representa aquele espaço, no final de 1979. Ali por décadas minha família trabalhou e buscou seu bem-estar social. Assistir todas as mudanças e transformações ali operadas. Ali tenho novos, não tão novos e antigos amigos de longas conversas, parcerias e sonhos.
Por ter ao longo do tempo me constituído uma liderança desta região, fica impossível chegar ali sem ser chamado a opinar sobre os aspectos, que, de alguma forma, interfiram na vida ou nos acontecimentos daquele logradouro. Não foi diferente no último dia 14/09, quando num verdadeiro se vira nos trinta, tentava explicar o porquê da intervenção em curso, organizada pela Prefeitura de São Luís, na tentativa de dar fluidez ao trânsito, que vai, entretanto, segundo todos, ter um impacto na vida e nos negócios daquele espaço. Intervenção esta que nem de longe, ou de perto, ouviu os interessados mais diretamente envolvidos.
O caráter autoritário dos Governos, se desejar nomine as exceções, em todo Brasil, não ouve o cidadão, prefere se balizar nos especialistas ou “sábios” para a implementação das Políticas Públicas, como no presente caso. Desta forma, ficamos todos sem saber como e por que se executam determinadas obras. Seu valor, prazo de execução e tudo mais que possa interessar ao pagador de impostos. Assim, um dia alargam, noutro estreitam a mesma rua, não se importando com o bolso do povo; a estrada do Araçagy é testemunha do que afirmamos.
De intervenção em intervenção vão modificando a paisagem, dilapidando valores, legados e lembranças que vão, ao final, lamentavelmente servir para justificar afirmativas do tipo: “Nosso povo não tem memória”, “não tem apego pelo seu passado e suas tradições”, o que se constitui em inverdade, posto que morremos cada vez que nosso passado é desrespeitado. Este pedaço de terra é sagrado para muitos cujos antepassados viveram aqui, caminharam nestas ruas, choraram e sorriram no entardecer e nas auroras.
É fato que a dinâmica que a história humana produz fez com nossa “Mãe Cohab”, após meio século, seja em muitos aspectos diferente daquele mágico lugar de nossa juventude ou de nosso começo. Já não a chamam de “pombal” e “fim do mundo”. Por sermos o centro da ilha de Upaon Açu, já somos o segundo maior núcleo empresarial da capital. A área que concentra a maior quantidade de shopping center, a maior rede bancária, a mais qualificada rede de serviços públicos e privados. Isto é muito, não tudo. O desafio e sermos assim com a velha alma do acolhimento e da fraternidade.
Confesso que a sabatina que me foi imposta, pelo menos serviu para me reconectar com meu passado e minha história. Foi útil para que eu pudesse em lembranças rever o início da política habitacional do BNH, que gestou os conjuntos habitacionais, que se apresentavam para todos, crianças, adolescentes ou idosos como um novo horizonte, uma novíssima etapa de vida que trilharíamos, construindo um berço de esperança e fé no futuro que viria.
Como não lembrar de bisbilhotar os chegantes a cada caminhão que estacionava em uma unidade habitacional vazia? Como esquecer das não tão inocentes, festinhas de aniversário ao som de Fred Mercury, Michael Jackson e Rita Lee? Como não desejar revisitar o Clubão e suas domingueiras que apaixonaram São Luís? Como esquecer seu Arias, Peixoto, Edson e Zico que deram alma ao Fecurão e ao futebol da Cohab?
Os tempos são outros, é verdade. Já não temos o Supermercado Confiança, o Bar do Escurinho, menos ainda, a Base das Coroas e a boate Lavanderia. Foi-se o Olaria, o Flamenguinho e o União. O tempo e a modernidade levaram a banda do cantão e os arrastões do Sem Limite. Que saudades do colégio Pax e da banda do Freitas Figueiredo. Quem sabe com esta intervenção, até o posto de táxi da feira desapareça. É, mudamos muito e muito foi mudado, que não mude, pelo menos, o desejo de ser amigo, compadre e irmão, posto que é isto que nos faz construir este espaço de lutas, sonhos e saudades.
Fonte: Publicado no jornal O Imparcial, desta sexta-feira, 22/09/23
Renato Dionísio
Historiador, Poeta, Compositor e Produtor Cultural.